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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

RELATO DO PARTO DE MANUELA BOSQUIROLLE E NASCIMENTO DE ZAION


Por Mary Galvão

Manuela é paranaense, bióloga que veio para Bahia há cinco anos para trabalhar no Projeto Tamar. Ela conheceu um baiano – Adolfo e se apaixonaram a ponto de querer um fruto desse amor.
Manuela veio me procurar com IG de 34 semanas por indicação de Carla Miranda, sua doula. No nosso primeiro encontro percebi que se tratava de uma mulher forte e determinada e sabia exatamente os motivos que a faziam optar por um parto domiciliar. Segura e decidida ela se comprometeu a retornar uma semana depois com seu parceiro para oficializar o contrato de assistência ao parto domiciliar. Quando retornou com Adolfo, observei e constatei que se tratava de um casal plenamente grávido e feliz!
A condição emocional da gestante, me tranquilizou porque sabemos que o parto é muito mais tranquilo quando a gestante tem o apoio efetivo de seu parceiro. Durante o período de acompanhamento pré-natal (junho, julho e agosto) fui percebendo que Manuela era muito cuidadosa com sua alimentação – totalmente naturista e estava em perfeito estado de saúde. A data provável do parto estava prevista para 13 de agosto; no calendário lunar ela completou 10 luas em 16 de agosto. Com tudo já organizado em sua casa novinha em folha, comprada para celebrar este grande momento da união amorosa. Ela falava com muita vibração sobre a compra da casa nova em Arembepe – comunidade litoral a 40 km de Salvador. Quando fui conhecer sua casa observei que a família, com a chegada de sua irmã Luiza, que veio para colaborar no período do parto, estava muito feliz com a aproximação do parto de Manuela e nascimento de Zaion .
Nesta mesma semana também chegou a Salvador uma parteira amiga, Marilanda, que mora no Rio de Janeiro onde atua na assistência ao parto domiciliar. Combinamos com a gestante a realização de um ritual de dança do fogo, de origem indígena, que promove uma transmutação de energia através de movimentos rítmicos em volta da fogueira, para limpar a aura da mãe que vai receber o novo espirito na terra. Aprendi este ritual no Equador onde participei juntamente com Suzana, amiga xamã que trabalha nesta perspectiva. 
Na noite combinada para o ritual chegamos (eu, Carla e Marilanda) e encontramos Manuela, Adolfo, Luiza e sua irmã Mariela que havia chegado um dia antes, para passar o final de semana com eles. Um pouco mais tarde chegaram Chenia com sua filhinha Zaia, que trouxe muita alegria e criatividade para aquele momento especial. A fogueira já estava arrumada na varanda, o alimento do ritual havia sido preparado saborosamente por Manuela e eu havia levado arroz doce para os orixás convidados.


Manu foi cuidadosamente maquiada por suas irmãs e Zaia cuidou de pintar o barrigão que foi transformado em uma tela onde ela e as irmãs de Manuela pintaram uma imagem bastante sugestiva (vide foto)! O ritual ocorreu em clima de muita magia unindo família e amigos para celebrar a chegada de Zaion.







No dia 15 de agosto a Manuela retornou para uma consulta informando que por motivos familiares as suas irmãs tiveram que retornar a Minas Gerais. Neste encontro percebi um “certo grau de ansiedade” em Manuela que não foi expressado verbalmente. Mas seu comportamento estava diferente. Sua saúde física continuava ótima, mas emocionalmente existia alguma sombra. No dia seguinte Adolfo me confessou por telefone que ela estava irritada. Uma semana depois (dia 22) ela retornou para uma nova avaliação e ao final da consulta, questionou “por que será que não entro em TP” (Trabalho de Parto). Silenciamos por um curto período e ouvimos (eu e Marilanda) atentamente seus relatos e ao final da consulta ela trouxe uma preocupação de sua mãe, que por telefone havia lhe assustado com sua escolha de ter o parto domiciliar. Diante da verbalização do sentimento transferido por sua mãe, achamos muito importante abrir nossa observação da consulta anterior - ela havia mudado de comportamento nestas duas semanas que antecediam o parto. Foi muito interessante ouvir a opinião e impressões pessoais de Manuela a respeito de sua relação com sua mãe que permanece querendo exercer controle sobre as decisões da filha neste momento delicado! Saímos desta consulta confiantes nos resultados positivos da verbalização e elaboração dos sentimentos que Manuela estava vivenciando.
No dia 23, as 5:30, da manhã recebi a ligação de Adolfo nos informando que Zaion estava chegando. Manuela havia entrado em TP às 4 horas da manhã de 23 de agosto de 2012.  Às 6:30 chegamos à sua casa onde a encontramos na varanda em companhia de Carlinha lhe ajudando a fazer movimentos circulares com a pelve. Adolfo veio nos receber no portão com um largo sorriso no rosto. Repetia alegremente como uma criança encantada “ZAION TÁ CHEGANDO!”. Fomos todos para a sala e lá sentamos todos em volta de Manu que estava bem disposta para o trabalho de parto.  Observava atentamente o comportamento do útero de Manuela. Fiquei sentada em uma almofada a sua frente monitorando as contrações uterinas que já se apresentavam rítmicas e regulares com duração média de 30 segundos. Ás 7:30 concluímos o diagnóstico: início de trabalho de parto. Os batimentos cardíacos do bebê estavam rítmicos, em 140 batimentos por minuto.



À medida que as contrações aumentavam em duração e intensidade, Manuela demonstrava mais determinação de dar continuidade ao processo, embora gemente, ela movimentava-se livremente com o apoio de Carla que oferecia ajuda, mudanças de movimentos usando a bola e dona de suas decisões. Com o trabalho de parto em franca evolução, achamos que era chegada a hora de esquentar a água e colocar as ervas para aromatização do ambiente. Nesta consciência de observar silenciosamente a evolução do processo, também percebi o clima intimista que havia se instalado naquele ambiente. Por volta das 10 horas, vi Carla e Marilanda começarem a encher a piscina com baldes e caldeirões de água morna. Por volta das 11 horas, Manuela começou a gemer alto durante as contrações.  Às 11:30 fizemos o primeiro toque vaginal para avaliação das condições do colo: apresentação encaixada no 2º plano de De Lee, com colo  fino e dilatado para 5 centímetros. Em seguida ela entrou na piscina, ali permaneceu durante uma hora. Às 12:30 horas contrações se tornaram muito dolorosas e Manuela começou a gritar muito alto. Esses gritos chamaram atenção da vizinhança que vieram e gritaram no portão: “tão precisando de ajuda ai?!”. Questionavam o motivo daqueles gritos. Adolfo foi até o portão para tranquiliza-los e informando-os que sua esposa encontrava-se em TP sendo acompanhada por duas parteiras e que a melhor maneira de receber ajudar era se eles fizessem uma oração. Ouvir alguém perguntar lá fora para o Adolfo, por que não leva ela para o Hospital?
A partir desta interferência externa, Manuela que já estava bem focada no seu processo, ativou seu lado mental (neocórtex) e mudou totalmente de comportamento. Agora ela estava mais atenta aos detalhes a sua volta, seu instinto materno lhe ativou o neocortex e o processo foi abruptamente alterado. A partir daí as contrações se espaçaram muito e ela muito cansada, depois de horas de franco trabalho, demonstrou muita irritação. Decididamente levantou-se de seu cantinho, aos pés da sua cama e retornou para a piscina, colocada na sala. Entrou na água e ficou pensativa por alguns momentos. Marilanda me chamou no quintal para uma conversa de avaliação das alterações do processo. Chamamos Carla para participar de nossa conversa reservada. E toda equipe chegou à mesma conclusão, a evolução do parto sofreu uma interrupção. Precisávamos ajudar Manu retornar para seu processo. Pensamos em aproximar Adolfo a Manu. Conversamos com ele reservadamente e sugerimos que ele entrasse com ela na piscina. Fomos as três para a varanda e ali permanecemos por um período de uma hora. Quando ouvimos os gemidos de Manuela, recuperando o seu padrão de contração da fase ativa, aí, retornamos a sala. Manuela havia retornado o processo com gemidos durante as contrações, agora bem fortes, ela continuava na piscina chorando muito e expressando alto grau de cansaço. Em clima de apoio e compaixão, Adolfo levantou-se e pegou o violão, sentou-se em frente a Manuela e começou a tocar e cantar músicas que resgatavam memórias afetivas do relacionamento, foi um momento muito especial desse processo.


 Por volta das 15 horas, ela sentiu necessidade de se recolher em um cantinho mais reservado, indo para o banheiro. Lá permaneceu de cócoras no chuveiro com Carla por uma hora. Esse período foi decisivo para avançar o processo porque logo depois dela retornar a seu quarto, avaliamos e constatamos que o colo estava com  7 cm, de consistência espástica. Os BCFs do bebê continuavam firmes “tumtumtum...” Ela e Adolfo faziam questão de ouvir o coração de Zaion, atentamente. Isso foi bem legal para mantê-los tranquilos e seguros com o bem estar de seu filho.


De novo o ambiente estava acolhedor, sentada na sala por quase duas horas, estive bem consciente para observar o clima que havia se instalado ali naquele espaço sagrado. Quando Manuela retornou do banheiro às 16 horas, gritando muito e já exausta. Marilanda sugeriu uma reavaliação das condições do colo foi quando ela preferiu deitar-se em sua cama porque o cansaço e esgotamento eram aparentes. Adolfo em atitude de companheirismo, não saía de perto dela e pedia fervorosamente a Deus para aliviar as dores de sua mulher.  Observamos calmamente Manuela procurando um cantinho da casa para se acomodar, foi para o seu quarto e se agachou aos pés da cama. Percebemos que havia chegado a hora de organizar o cantinho para o grande momento, a chegada de Zaion, para que ela se sentisse segura o suficiente para liberar sua cria. Calmamente fomos dando estrutura para o cantinho escolhido. Neste espaço de tempo a dilatação estava completa, mas o período expulsivo, embora com duração de apenas 1 hora (das 16 e 17 hrs), foi muito DOLOROSO para Manu, porque ela havia chegado a exaustão de sua força motora e de sua tolerância energética.
Ao final ela verbalizava “Não tenho mais força”. E nos olhava com expressão de pedido de ajuda, mas nós nos mantivemos sempre firmes no propósito de fazê-la acreditar que ela podia continuar. Este período foi muito difícil para o pai porque sua sensibilidade e amor por Manuela partia seu coração. Quando Zaion coroou ele chorou muito e entrando em estado de graça não perdeu um detalhe do ritual de nascimento de seu filho. Vivenciou intensamente todas as emoções que o rito lhe proporcionou. Adolfo deixou seu coração aberto para permitir a fluidez desta energia sagrada. Manuela teve alteração de consciência, mantendo-se firme o suficiente para atravessar a ponte que permite conhecer as profundezas da alma. Rasgando a garganta de tanto gritar, ela abriu seu corpo para dar passagem à parte mais sagrada de si mesma, dando mais sentido ao amor.


Saindo de suas entranhas, chega Zaion para os braços de sua mãe que lhe recebeu as 17:00 de 23 de agosto de 2012, ao por do sol do inverno de Arembepe, através de seus gritos e do choro de seu pai que lhe recebe nos braços plenos de amor!  Lindo, saudável, pesando 3.200 e medindo 47 cm. Com a testinha do pai, os olhos da mãe e o cabelo claro do avô materno segundo constatação dos próprios pais, testemunho legítimo da continuidade de nossos laços consanguíneos. Mais um parto, mais um nascimento de uma nova família que escolheu experienciar os limites da capacidade daqueles que acreditam que tudo é possível quando acreditamos em nossas escolhas. O vínculo foi automaticamente construído à base de muita ocitocina, endorfinas e lágrimas de felicidade.

   

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