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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Relato do Parto de Liliana

















Por Mary Galvão




Meu corpo sinaliza através da
insônia, a necessidade de relatar para relembrar, reviver e resignificar o
parto como um processo da vida.




Contando e recontando me dou conta que
para elaborar o trabalho de parto, único e individual, estou colaborando
com o registro da história reprodutiva de cada mulher . .
.


Partilho aqui, as
etapas do processo de parto de Lili, parceira deste
caminho de parto domiciliar.


Lili combinou
previamente que seu parto seria assistido por mim Marilanda e Adriana (parteira
amiga e fotografa do Rio de Janeiro) que também estavam
na torcida para que este processo desencadeasse entre a 39ª e a 40ª semana
porque queríamos muito participar juntas desta experiência
importante da vida de Liliana. Programamos a parte operacional ao longo
da gestação. A vinda das parceiras do RJ, os dias para relaxamento
e rituais em
Itaparica. Tudo
começou com a chegada de Marilanda no
dia 8/09 e Adriana no dia 10. Lili completou 40 semanas no dia 14. Começamos a
curtir o prenúncio deste período, ouvindo e acolhendo as queixas da Lili.
As contrações de Braxton-Hicks começavam a lhe incomodar durante a noite e
quando ela caminhava ou se sobrecarregava de atividades físicas.
Aguardamos pelo início do TP juntos (eu, Lili, Marilanda, Adriana e
Gugu) na casa de Itaparica, na semana da 40ª semana.


Entretanto, o
TP não ocorreu como nós prevíamos. Até hoje, a ciência não
explica o determinismo do trabalho de parto e seu desencadeamento ocorre
com uma grande variação para a maioria das parturientes. Pode ocorrer a partir
da 38ª até 42ª semana sem que a mulher possa escolher ou decidir
sobre os sinais de seu próprio corpo.




Como o TP não desencadeou nesta semana, os deliciosos dias de
relaxamento, prazeres e muitas alegrias, que foram especialmente programados
para cuidar e mimar a nossa Lili chegaram ao fim. No dia 19, as amigas
retornaram ao Rio para atender uma parturiente na mesma condição de Lili.
Aqui ficamos nós (eu, ela e Julia minha assistente de parto) aguardando o
grande momento).


Confesso que eu era
a mais ansiosa do grupo, pois Lili aproveitava para curtir
todos os momentos desta gestação tão desejada.


Talvez a intuição de parteira tivesse me sinalizado um trabalho de parto
efetivamente laborioso. O histórico de Lili demonstrava que o
processo seria demorado: duas cesáreas anteriores, um bebê
grande avaliado em 3,700 e uma gestação muito sobrecarregada com excesso de
trabalho e pouco tempo para se cuidar e para pratica de exercícios físicos.

O fato é que intuímos previamente que não seria um parto rápido e fácil.




Trabalhamos esta
questão com ela durante a semana que antecedeu o parto... De um jeito
bem amoroso Marilanda utilizando da sua experiência de psicodramatista,
provocava em Lili uma reflexão sobre como seria seu parto.. Ela entendeu,
demonstrando estar preparada e acatando as sugestões das amigas parteiras com a
doce anuência de Adriana. Após viagem das amigas, continuei bem próxima de
Lili. Fui visitá-la na teça-feira, dia 21 para incentivar a participação de
Clara e Letícia, suas filhas de 11 e 5 anos, no ritual da despedida do
barrigão. Ulla (amiga querida) foi junto comigo. Combinamos tudo pelo Facebook.
Foi lindo ver as meninas desenhando e interpretando as telas (barrrigão
dividido ao meio).



Na quinta-feira,
dia 23, voltei lá para uma segunda visita. Passei a tarde toda curtindo a família
do bebê, vovó Lea fez bolo de milho sem ovo para incrementar o lanche e o
titio contou suas histórias engraçadas e tomou café conosco. Todos observávamos
Lili, que se queixava muito de dores na região lombo-sacra e nas coxas,
demonstrando certa irritação com o barulho causado pelo conserto de um portão
lá embaixo, chegou a reclamar até de seu cachorrinho Fofucho que latia e
latia porque já sacava novidades na área! Naquela tarde, constatei que ela
encontrava-se nos prodromos de trabalho de parto, tendo contrações sem ritmo
freqüente.


Aproveitei a oportunidade para
pedir sua autorização para atravessar a Baia de Todos os
Santos. Precisava descansar em minha casinha silenciosa do lado de
lá do stress dessa louca metrópole. Ela me liberou.




Na sexta-feira,
antes de viajar (a ilha dista de Salvador em 40 minutos de
lancha) eu lhe telefonei e perguntei sobre a noite... E ela respondeu: “mal
dormida como durante a última semana".



Chegando em casa, dormi durante toda a tarde. À noite fui caminhar no
Cais com uma amiga de Jequié que veio me visitar. Observando o movimento da água senti a
presença de Yemanjá e aí recordei automaticamente de Lili. Neste exato momento,
a Marilanda ligou do Rio para perguntar da evolução do caso e para contar que estava
voltando da visita à sua parturiente (Diana) vivenciando o mesmo processo de
contrações sem ritmo embora dolorosas. Liguei novamente para Lili,
consciente de minha pressão disfarçada de cuidado. Ela queixou-se de dores,
mais incômodas e freqüentes. As contrações estavam lhe alertando que aí vinha
coisa... Perguntei se achava melhor eu retornar para dormir em Salvador e
ela disse que não seria necessário, me manteria informada da evolução do
processo.



Ao despertar pela manhã, observei
que o torpedo no celular, era ela avisando: ‘’Estou em TP.. não dormi a noite’’. Ah! Que alivio, confesso que amei a noticia... Vamos que vamos! Liguei
para Julia, solicitando que ela fosse imediamente acompanhar nossa
parturiente de perto. Ai, então, pude retornar calmamente para Salvador..
viajei todo o percurso, observando o belo azul do mar e fazendo a conexão
com o amado Gurudeva. Pedi tranquilidade e clareza para acompanhar
este parto - não era como de outras mulheres... Lili era muito próxima e
eu me sentia muito envolvida emocionalmente neste processo.




Gugu, marido de Liliana,
gentilmente se ofereceu para me apanhar na lancha. Na vinda para casa passamos
na Feira de São Joaquim para tentar encontrar o BACIÃO que procurávamos há um
mês. Queríamos também comprar flores e ervas para Yemanjá. Encontrei Lili
tranquila embora em
franco TP
, os BCFs estavam rítmicos em 145 bat/min,
contrações rítmicas e fortes (40 segundos) com intervalo de 5/5 minutos.



Inicialmente, estranhei o padrão
das contrações, mas em seguida reconsiderei supondo que poderia
estar no período expulsivo. Quando cheguei não sugeri exame de toque porque
era preciso observar mais e assim o fizemos: observamos, organizamos
os detalhes do ambiente... arrumamos o nosso altar para o apoio espiritual
e preparamos um banho com ervas para Lili.. 2 horas após minha chegada, ela começava a expressar cansaço .




Enchemos a grande
(enorme) bacia que compramos na Feira, com as ervas aromáticas e ali começamos
o ritual de banhar o barrigão de Lili para promover um relaxamento do útero.
Depois de 35 minutos de banho de imersão, Lili pediu para sair da água, estava
muito cansada daquela posição. Pedia para se alongar, necessitava de movimentos...
Saiu da água, caminhou exaustivamente da sala para o
quarto e em seguida deitou-se recostada na sua cama e conseguiu relaxar por
20 minutos. As contrações deram uma pequena trégua. Mas depois disso o
útero retomou seu trabalho num ritmo acelerado. Sugerimos um exame de toque e
ai veio uma surpresa: o colo embora 50% apagado só apresentava dilatação
de 2 cm.
Conversamos com Julia sobre o caso e depois concluímos que
seria importante Lili retornar para o chuveiro para abrandar o
útero que apresentava um ritmo de trabalho avassalador. O intervalo
entre as contrações chegou a 3 minutos e nosso foco
agora era acompanhar regularmente os BCFs.




Passamos o período
da tarde nessa observação atenta: de longe para não assustar Lili que andava
sem parar e gemia um gemido muito dolorido e profundo de dar
dó: "tá doendo demais, tá demais"... Intuímos que
algo estava acontecendo sentimos que as contrações eram atípicas.


Comentei com Julia minhas impressões e ela
concordou que Liliana estava muito cansada.. Ao final da tarde, Júlia precisava
ir embora porque no dia seguinte ia prestar o concurso da Secretaria Municipal
de Saúde. Sugeri que ela saísse bem discretamente para não ativar o neocortex
de Lili, que se manteve mentalmente ativa durante todo o trabalho de parto.




Considerando minha
pouca experiência com parturientes de cesárea anterior, recordamos a
postura rígida da medicina tecnicista quanto ao risco de rotura uterina e
ai lá veio aquele medinho que sobe um friozinho no estômago.. Quando
o medo vinha, redobrava as orações rogando ao mestre uma conduta adequada e
fixava nosso olhar piedoso para Lili que corajosamente aceitava o desafio imposto
pela sua fisiologia que mais me indicava um padrão de anormalidade. Ao final da
tarde, sugerimos uma hipótese diagnóstica: Seria uma distócia funcional por
desproporção, meu Deus? Não. Não é correto fechar diagnóstico ainda... Vamos
observar mais um pouco...

Às 21 horas de
sábado, 20 horas após iniciado o TP nós fizemos um segundo toque porque
achamos necessário avaliar a evolução do caso... Lili continuava
com o mesmo quadro: colo apagado em 50% e a dilatação em 2 cm. Aí falei calmamente para ela: “O colo tá
bem fininho, a cabeçinha do bebê tá bem insinuada, mas a dilatação continua em 2 cm...” Esperei sua reação e
ela falou bem baixinho: ‘’quero esperar mais um tempinho”, e eu perguntei até meia-noite, pode ser? Ela sinalizou
que sim com a cabeça, mas sua capacidade física tava se esgotando. Eu vi
claramente seu estado de exaustão.


Às 3 horas fizemos
uma reavaliação e os BCFs se mantinham rítmicos, mas o exame de toque foi difícil
porque Lili não suportava nenhum estímulo, chegando a seu limite máximo de
tolerância das dores que as contrações distócicas estavam lhe causando. Ela atentamente observava minha reação
facial após o toque, mas quando lhe informei que o colo permanecia em dois
centímetros de dilatação ela decidiu. Sim, foi ela quem decidiu
juntamente com seu bebê: "Não dá mais, agora quero colocar meu bebê no
colo. Quero ir para a Maternidade”. Eu vibrei junto e repeti: "Ok Lili,
então vamos!” Ela precisava de apoio em sua decisão e aí eu falei olhando em
seus olhos: "Seu bebê também está muito cansado querida, o stress que as
contrações estão lhe causando está sendo revelado pelos seus
movimentos repetidos de flexão e extensão dos membros intra-útero”.



Na madrugada de
domingo Liliana desafiou e superou sua capacidade de tolerância a DOR, porque
seu organismo não estava produzindo endorfina, ela repetia várias vezes, "Tá
muito forte meu neném, tem algo errado... tá demais meu filho, vem logo, vem
bebê...”


Quando Lili decidiu
ir para Maternidade Sagrada Família, chamamos Gugu e Ulla que
estavam descansando da noite punk. Gugu devia estar cansado também. Afinal ele
teve um longo dia de muito trabalho e apoio ao núcleo familiar.
Neste momento, entretanto, ele prontamente levantou-se e
cumpriu responsavelmente seu papel de pai e companheiro dedicado que
demonstra ser. Ulla logo compreendeu a decisão de Lili e nos ajudou muito no apoio emocional...
Sua energia amorosa e serena favoreceu a harmonia do ambiente no momento tão
singular.


Chegamos à
Maternidade às 4 horas da manhã de
domingo e concluída toda burocracia da internação, Lili
foi transferida para o Centro Cirúrgico. Às 05h55min de 25 de setembro de 2011, nasceu de
parto cesariana por decisão compartilhada com sua própria
mãe, Gustavo Samir Silveira Silva. Nasceu em boas condições de vida, com
Apgar 8/10 e com um pesinho "bobo" de 3,900 kg para confirmar a
hipótese diagnóstica da parteira, distócia funcional por desproporção cefalo-pelvica.



No dia seguinte, ao ver Gustavo em
seu bercinho ao lado de sua mãe, um sentimento novo invadiu meu coração e
me fez reconhecer que a beleza do nascimento supera paradigmas. Um bebê
sempre anuncia a esperança de novos tempos.




A partir dessa
experiência, surgiram algumas indagações que acho importante registrar:



1-Não é humano sentir medo
em situações desta natureza? Nossa memória celular não carrega o medo do
parto há séculos?


2-Não é salutar tentar e colocar nossa
natureza à prova?

3-Não é salutar saber até onde podemos aguentar?



4-Não é prudente dar um basta quando nossa
intuição nos comunica dos limites entre o saudável e o radicalismo?



5-Não foi interessante Lili tentar superar
seu próprio limite?



6- Não foi bom deixar o bom senso prevalecer
quando resolvemos procurar um hospital para evitar que o bebê entrasse num
quadro de sofrimento agudo?



7-Não foi maravilhoso receber
Gustavo com saúde e pronto para sugar o peito quente de sua mãe corajosa?




Aqui rendo minhas
homenagens sinceras a você, LIli, que sensivelmente decidiu
enfrentar seu primeiro TP com determinação, coragem e bom senso.



E quanto
à minha responsabilidade na condição de enfermeira obstetra e
parteira, admito humildemente minha tensão neste processo de acompanhar um
trabalho de parto laborioso de uma companheira de trabalho e amiga querida. Estou
feliz pela nossa capacidade de admitir e aceitar o limite
entre a linha daquilo que idealizamos e sonhamos e do que
foi possível vivenciar. Valeu a nossa sincronia quando decidimos que
uma cesariana era a melhor indicação para resolver a incompatibilidade
feto-pélvica e salvaguardar o bem estar de seu bebê.


Parabéns para Lili
que aplicou na hora certa nossa lição preferida, a capacidade de
rever, reconsiderar e admitir que em nossa profissão, o BOM SENSO sempre
deve prevalecer. A vida é um dom sagrado, muito além de nossos desejos.









quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O NASCIMENTO DE GUSTAVO






Por Liliana Silveira
Gustavo nasceu há dez dias no hospital. Retornamos para casa quatro dias depois. Lembrar das últimas semanas da gestação, e principalmente dos dias que antecederam o seu nascimento ainda me parecem como entrar numa outra dimensão. Aqueles foram dias muito intensos. Dias de reflexões e descobertas, às vezes, perturbadoras.
Antes de continuar com o meu relato, preciso contar um pouco das gestações anteriores. Tive duas cesarianas, a primeira aos 26 anos. Esta, totalmente equivocada, satisfez apenas às necessidades da obstetra, que declarou, meses depois, entender o parto natural como algo feio e violento, logo, desnecessário. Eu, naquela época tinha apenas um desejo muito grande de participar do nascimento da minha primeira filha. Mas, como a maioria das mulheres, era cativa da cultura médica de cuidados com a saúde. Sequer imaginava existir a possibilidade de ter um parto natural e domiciliar. Porém, imediatamente após a intervenção cirúrgica, surgiu uma inquietação muito grande dentro de mim. Passei a me questionar sobre o porquê daquele trabalho de parto ter sido conduzido para uma cesariana. As justificativas de “possível circular de cordão” e “possível sofrimento fetal”, sem qualquer indício, não me convenciam.
Busquei respostas, e depois de alguns anos, resolvi fazer um curso para ser Doula. Muito além da frustração em relação ao parto, a maternidade se instalou na minha vida de forma avassaladora. Fui transformada em outra pessoa, e a cada nova experiência eu submergia em cada etapa do desenvolvimento da minha filha e do meu amadurecimento como mãe.
Aos 32 anos me tornei mãe novamente, de outra menina, e a via de parto foi a mesma, cesariana. Dessa vez, o tempo gestacional (quase 41 semanas) e as dificuldades emocionais pelas quais eu passava foram determinantes para o desfecho daquela gestação. Porém, o fato de ter conhecimentos, de saber o que queria, potencializou o sentimento de frustração. Tive um pós-parto muito difícil, dolorido na alma, acompanhado do sentimento constante de querer voltar no tempo para mudar os acontecimentos.
Para sair dessa situação, foi preciso buscar respostas dentro de mim. De onde vinha essa relação tão intensa com a maternidade? Por que parir era tão importante? Ainda não tenho as respostas completas, apenas partes delas. Aqui não cabem as observações detalhadas anotadas no meu diário... Ser mãe sempre foi uma certeza na minha vida, ainda que, quando adolescente negasse essa possibilidade. Ainda criança, era fascinada pelas barrigas grávidas de familiares e vizinhas. Também ali já se mostrava presente a minha vocação pelos fenômenos da vida. Foi simples optar pela área da Biologia como profissão.
O tempo passou, e além da imensa vontade de ter a oportunidade de “tentar” parir, sentia que não poderia sair dessa vida sem ter mais um filho (ou filha!). Sentia que alguém mais precisava vir a esse mundo através de mim, era uma missão. Desse modo, engravidei em dezembro de 2010. Nunca o meu corpo tinha funcionado de tão bem, com todos os sinais do período fértil se aproximando. Apesar dos “ovários micropolicísiticos”, de um hipotireoidismo descoberto em 2008 e dos quase 37 anos (porque agora parece que é consenso no meio científico que a partir dos 35 estamos praticamente “menopausadas”...), engravidei maravilhosamente. Esqueci de tomar a pílula, comuniquei ao marido, não usamos outro método anticoncepcional e fiquei grávida.
Mantive a gravidez em segredo por quase dois meses. Precisava desse tempo para mim e o meu filho. Comuniquei logo a Mary, para saber se ela toparia a empreitada de acompanhar meu pré-natal e o parto. Lembro que telefonei para ela sussurrei a notícia. Depois de contar a notícia para Gugu (meu marido), fui até a casa de Mary e passei um domingo maravilhoso com ela. Iniciamos os cuidados pré-natais com um maravilhoso banho quente de alfazema, depois da praia e do banho de mar.
A gestação evoluiu muito bem. Apesar da minha correria diária. Faculdade pela manhã, trabalho à tarde (e uma vez por semana, à noite também), e todas as atribuições que têm as mulheres-mães. Ou seja, não foi exatamente um “mar de rosas”... Logo fiquei cansada, meio “sorumbática”. Nada de anemia ou qualquer outro problema associado à gestação. Apenas muito cansaço físico e emocional. Levei algumas broncas de Mary para entender que era preciso desacelerar. Eu sabia disso, mas como é difícil colocar em prática o discurso de Doula! Mary também me recomendava exercícios físicos, pois engravidei com algum sobrepeso e tenho uma estrutura física bem grandinha, então precisava cuidar do físico também se quisesse ter um parto de verdade. Aos sete meses de gestação, iniciei as aulas de dança-do-ventre. Uma delícia, para o corpo e a alma feminina!
Enfim, chegamos ao final da gestação. Sentia muitas dores no baixo ventre, dores musculares mesmo. A barriga cresceu muito e, penso que o meu corpinho sobrecarregado já não estava dando conta. Porém, ainda encontrei disposição para estar no parto de Paulina. Mais uma grande honra e um grande aprendizado. No final de agosto dei um tempo do trabalho e da faculdade, pois estava difícil subir nos ônibus e fazer as caminhadas que fazem parte da minha rotina. No dia 8 de setembro Marilanda (amiga e parteira urbana carioca) chegou. Eu estava com 39 semanas e aí a ficha finalmente caiu. A qualquer hora o meu bebê poderia chegar. Alguns dias depois, Adriana (fotógrafa e artista) chegou. Pronto, o time estava completo.
Recebi inúmeros presentes enquanto esperava o meu bebê. O carinho dos meus colegas de trabalho e de faculdade, dos meus alunos queridos. E, estar com as minhas “amigas de parto”, foi mais que um presente. Passamos dias maravilhosos na Ilha de Itaparica, que já comentei antes e comentarei mais tarde com mais detalhes.
A espera continuava, os dias passando, contrações intensas, porém indolores, acontecendo e o trabalho de parto sem dar sinais. Entrei na 40ª semana. Marilanda e Adriana precisavam retornar ao Rio, pois tinham mais um parto para acompanhar exatamente por aqueles dias. No domingo que antecedeu o retorno delas, nos reunimos no quarto, na casa de Mary. Após o exame, que revelou um colo fechado e ainda posterior, Marilanda disse que ainda levaria tempo para amadurecer, talvez uns 10 dias. Entrei em desespero. Revivi aquela situação conhecida do tempo que está se esgotando. Gugu me chamou a atenção para o meu estado e espírito. Era melhor me acalmar, tentar pensar positivo. Nada estava definido ainda. Tinha uma ultrassonografia para o dia seguinte, desse modo saberíamos em que condições estavam a placenta e a quantidade de líquido amniótico para seguir esperando.
Resolvi me acalmar, aproveitar a noite de aconchego com Gugu. Outro aprendizado importante: se as coisas estão ficando difíceis, melhor buscar conforto, compreensão (sobretudo interna, dar-se um tempo!) e esquecer um pouco o que está acontecendo. Na manhã de segunda-feira, após o café da manhã, “levantamos acampamento”. Lembro de ter acordado meio triste, mas o astral da turma não me deixou desanimar.
No exame de ultrassonografia reencontrei o médico que tinha feito um dos exames da gravidez anterior, quase seis anos atrás. Para nossa surpresa, defensor do parto natural, super-gente-boa. Marilanda viu o sexo do bebê. Estava tudo bem, boa quantidade de líquido, placenta funcionando super-bem. O bebê já tinha peso estimado em 3,700kg, porém, ainda alto. Levaria ainda uns 5 dias para nascer, o que significava mais algum ganho de peso. Saímos do consultório em estado de graça. Estava tudo bem!
Levamos Marilanda e Adriana para o aeroporto. Na despedida, a minha vontade de que fosse possível elas retornarem para estar conosco na hora do parto. Nos abraçamos, eu mais animada, resolvida a manter a alegria e a esperança em alta.
Os dias passaram, na quarta-feira completava 41 semanas. Fiz uma sessão de acumpuntura, para estimular o início do trabalho de parto. Na quinta, tive muitas contrações (ainda dos pródomos) e dores nos quadris. Na sexta-feira, saí com a minha mãe para resolver umas coisas na faculdade e comprar umas coisinhas do bebê que ainda faltavam. Fiz questão de caminhar bastante. Cheguei em casa no início da tarde, bem cansada. À noite, percebi as contrações se tornando mais freqüentes e ritmadas. Resolvi ficar sentada na bola suíça, fazendo movimentos circulares e de cima para baixo. Por volta das nove da noite comecei a anotar a dinâmica uterina e auscultar o bebê. Uma contração dolorida a cada dez minutos, com duração d 40-60 segundos. Fiquei muito contente. Finalmente! Eu conseguiria!
A noite avançou, o trabalho de parto se intensificou e ao amanhecer de sábado eu já estava bem cansada. As contrações já eram muito dolorosas, e duravam até um minuto e meio. A bola já tinha ficado desagradável há muito tempo. Iniciei as caminhadas pela casa, era a única forma de suportar as contrações. Às oito horas liguei para Mary, ela estava na Ilha e logo estaria comigo. Júlia, enfermeira, ex-aluna de Mary, viria antes para ficar comigo.
Quando Julia chegou foi um alívio. Eu estava precisando de ajuda, mesmo que fosse “apenas” alguém para estar perto de mim. Gugu já estava preparando as meninas para irem à casa da avó. Tínhamos combinado que seria melhor assim. Julia me abraçou, fez massagem, me mostrou que eu não estava sozinha. Foi muito importante. Algum tempo depois Mary chegou. E, ao ver o meu estado, ficou muito séria. Percebi isso. Mas não tinha condições de conversar. As contrações vinham uma atrás da outra, muito doloridas. Depois de me observar um pouco e verificar a dinâmica uterina anotada por mim, inicialmente, e depois por Julia, Mary resolveu me colocar na água morna. Para acalmar o útero. Os batimentos cardíacos do bebê continuavam muito bem.
Com as contrações mais desaceleradas, algum tempo depois, fui para o meu quarto tentar descansar um pouco. Logo as contrações retomaram o ritmo anterior. Assim eu passei a tarde e a noite de sábado para domingo. Perdi a noção do tempo. De tão cansada, cochilava entre uma contração e outra e acreditava que se passavam muitos minutos entre elas. Chegava a sonhar, devo ter falado coisas sem sentido. Depois Julia me disse que o intervalo entre elas não era maior que 5 minutos... Lembro de ter tentado dançar, balançar o corpo enquanto caminhava, me animar. Funcionou por algum tempo. Mas logo as dores se tornavam mais fortes, me imobilizavam. Eu só conseguia caminhar, gemer muito alto, socar as paredes e me pendurar na parede do chuveiro. Eu não suportava qualquer toque na barriga ou na região lombar, pois sentia mais dor ainda. Porém, a presença de Mary e Julia era muito importante. Elas também me ajudaram a afastar o medo e a solidão. Principalmente quando o dia foi terminando e escureceu. Mary também arrumou os nossos símbolos de fé reunidos num altar, como sempre fazemos nos partos que acompanhamos, na sala da minha casa. A foto de Yogananda (que tantas vezes me inspirou nos partos que acompanhei e que me deu conforto durante a minha caminhada), a foto de Angela Gerke, o jarro com flores brancas, os meus santinhos, as velas, os incensos... Senti força e acolhimento.
Tentamos desacelerar as contrações na imersão em água morna, com ervas, mais duas vezes. Ao longo do tempo eu conversava com o meu bebê, chamava ele para que viesse logo, que não tivesse medo, que nós conseguiríamos.
Mais tarde, no meio da noite, Gugu chegou com Ulla. Duas presenças muito importantes. Gugu me deu segurança. Ulla, com a sua leveza, foi uma presença ao mesmo tempo marcante e suave. Um dia desses Gugu comentou sobre o cheiro bom que sentiu na casa, quando chegou. É o cheiro do trabalho de parto acompanhado com amor e atenção.
Mary fez quatro exames de toque. O primeiro no início da tarde. Colo fechado, ainda posterior. No segundo, o colo estava apagando. No terceiro, já à noite (sábado para domingo), mostrou colo apagado com menos de 2cm de dilatação. Nesse momento, conversamos. Eu já estava perguntando a Mary o que poderia estar errado. Na verdade, sentia que algo estava errado, pois não sentia nenhuma progressão do trabalho de parto, sentia que todas aquelas contrações não estavam levando o colo do útero a abrir-se. Ao contrário, ele continuava resistindo. As dores eram tão fortes que não me permitiam qualquer movimento. Eu sentia o baixo ventre travado, e comecei a me preocupar com a possibilidade de uma ruptura uterina e com a resistência do bebê, que já se encontrava bastante inquieto. No meu trabalho como doula, vejo as mulheres buscarem posições que favorecem o nascimento. Em mim, as contrações estavam produzindo imobilidade. O coraçãozinho do bebê continuava forte, resistindo bem e o foco já tinha baixado muito, era alcançado na altura dos pelos pubianos. Resolvemos aguardar mais um pouco, mais uma hora e ver se acontecia uma dilatação eficiente.
Ás 3 da manhã, Mary fez o último toque. O colo não progredira na dilatação. Já havia uma bossa na cabeça do bebê. Alcancei o meu limite. A minha intuição me dizia que não adiantava insistir, nós estávamos em risco. Foi claro e simples como água decidir ir ao hospital. Era hora de ceder, no meu caso, optar pela minha vida e pela do meu filho. Era hora de segurá-lo nos meus braços e nada mais importava. Mary concordou, as nossas impressões eram iguais.
Chamamos Gugu, que estava no nosso quarto, e fomos todos para o hospital. Eu não tinha expectativas maiores do que receber o meu filho. Como seria, eu já imaginava. Foquei a minha atenção no objetivo que me levou até lá e não dei atenção a “detalhes” como a frieza da equipe médica, ao medo do processo cirúrgico ou a uma possível sensação de frustração. Passei mal durante a cirurgia, muita falta de ar.
Logo ouvi os sons de Gustavo, que parecia gargarejar, sendo passado sobre mim. Era um menino! Eu sabia. Nasceu às 05:59 do dia 25 de setembro. Lindo, grande e forte. Cheio de cabelos e pelos, com 3,900kg e 55cm.
Algum tempo depois fui levada ao quarto e encontrei Mary, Gugu e Ulla. Mary chorava. Todos felizes e aliviados depois da nossa odisséia. Sim, é como me lembro daquelas duas noites e um dia de trabalho de parto. Momentos selvagens, de enfrentamento, de paciência. Foi uma luta para mim e para meu filho. Também foi o meu rito de passagem. O que me foi permitido nesta vida, sejam quais forem os motivos. Como escrevi no meu diário, foram os momentos mais difíceis e os mais doces e mágicos. Estão registrados em pinturas rupestres nas paredes da caverna da minha alma.
Hoje estava contando a uma grande amiga como foi o nascimento de Gustavo. Ela, surpresa com a espera de mais de trinta horas, mais precisamente, com a persistência de Mary, de Ulla e de Julia em me acompanharem por tanto tempo, expressou sem querer o sentimento que nos leva a fazer o que fazemos. Ela disse: “Vocês tem muito amor pelo que fazem”. É verdade, o cerne de quem decide estar presente neste momento selvagem que é o nascimento natural de uma criança e de sua mãe é o AMOR.
A minha gratidão e o meu amor (de parteira aprendiz) a Mary, Marilanda, Adriana Medeiros, Julia e Ulla. Gratidão a Gugu, que se envolveu nesta odisséia. Obrigada à vida, por ter me dado esta oportunidade de rever tantos aspectos do meu ser e da minha forma de viver. Descobri tesouros que não seriam encontrados de outra forma.
Quanto a mim, dez dias após o nascimento de Gustavo, percebo umas sombras da antiga frustração me rondando. Mas, naqueles dias em que estive acompanhada por Mary, Marilanda e Adriana, resolvi optar pela LEVEZA e pela ALEGRIA. Fiz o que esteve ao meu alcance, enfrentei a dor e o medo, para dar à luz o meu bebê. Decidi conscientemente pela cesariana. Este foi mais um medo enfrentado. Foi mesmo uma odisséia, para ter o meu filho nos braços. Estou feliz, apaixonada pelo meu filho e pela vida, mais forte do que antes. Tudo valeu à pena.