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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Relato do Parto de Liliana

















Por Mary Galvão




Meu corpo sinaliza através da
insônia, a necessidade de relatar para relembrar, reviver e resignificar o
parto como um processo da vida.




Contando e recontando me dou conta que
para elaborar o trabalho de parto, único e individual, estou colaborando
com o registro da história reprodutiva de cada mulher . .
.


Partilho aqui, as
etapas do processo de parto de Lili, parceira deste
caminho de parto domiciliar.


Lili combinou
previamente que seu parto seria assistido por mim Marilanda e Adriana (parteira
amiga e fotografa do Rio de Janeiro) que também estavam
na torcida para que este processo desencadeasse entre a 39ª e a 40ª semana
porque queríamos muito participar juntas desta experiência
importante da vida de Liliana. Programamos a parte operacional ao longo
da gestação. A vinda das parceiras do RJ, os dias para relaxamento
e rituais em
Itaparica. Tudo
começou com a chegada de Marilanda no
dia 8/09 e Adriana no dia 10. Lili completou 40 semanas no dia 14. Começamos a
curtir o prenúncio deste período, ouvindo e acolhendo as queixas da Lili.
As contrações de Braxton-Hicks começavam a lhe incomodar durante a noite e
quando ela caminhava ou se sobrecarregava de atividades físicas.
Aguardamos pelo início do TP juntos (eu, Lili, Marilanda, Adriana e
Gugu) na casa de Itaparica, na semana da 40ª semana.


Entretanto, o
TP não ocorreu como nós prevíamos. Até hoje, a ciência não
explica o determinismo do trabalho de parto e seu desencadeamento ocorre
com uma grande variação para a maioria das parturientes. Pode ocorrer a partir
da 38ª até 42ª semana sem que a mulher possa escolher ou decidir
sobre os sinais de seu próprio corpo.




Como o TP não desencadeou nesta semana, os deliciosos dias de
relaxamento, prazeres e muitas alegrias, que foram especialmente programados
para cuidar e mimar a nossa Lili chegaram ao fim. No dia 19, as amigas
retornaram ao Rio para atender uma parturiente na mesma condição de Lili.
Aqui ficamos nós (eu, ela e Julia minha assistente de parto) aguardando o
grande momento).


Confesso que eu era
a mais ansiosa do grupo, pois Lili aproveitava para curtir
todos os momentos desta gestação tão desejada.


Talvez a intuição de parteira tivesse me sinalizado um trabalho de parto
efetivamente laborioso. O histórico de Lili demonstrava que o
processo seria demorado: duas cesáreas anteriores, um bebê
grande avaliado em 3,700 e uma gestação muito sobrecarregada com excesso de
trabalho e pouco tempo para se cuidar e para pratica de exercícios físicos.

O fato é que intuímos previamente que não seria um parto rápido e fácil.




Trabalhamos esta
questão com ela durante a semana que antecedeu o parto... De um jeito
bem amoroso Marilanda utilizando da sua experiência de psicodramatista,
provocava em Lili uma reflexão sobre como seria seu parto.. Ela entendeu,
demonstrando estar preparada e acatando as sugestões das amigas parteiras com a
doce anuência de Adriana. Após viagem das amigas, continuei bem próxima de
Lili. Fui visitá-la na teça-feira, dia 21 para incentivar a participação de
Clara e Letícia, suas filhas de 11 e 5 anos, no ritual da despedida do
barrigão. Ulla (amiga querida) foi junto comigo. Combinamos tudo pelo Facebook.
Foi lindo ver as meninas desenhando e interpretando as telas (barrrigão
dividido ao meio).



Na quinta-feira,
dia 23, voltei lá para uma segunda visita. Passei a tarde toda curtindo a família
do bebê, vovó Lea fez bolo de milho sem ovo para incrementar o lanche e o
titio contou suas histórias engraçadas e tomou café conosco. Todos observávamos
Lili, que se queixava muito de dores na região lombo-sacra e nas coxas,
demonstrando certa irritação com o barulho causado pelo conserto de um portão
lá embaixo, chegou a reclamar até de seu cachorrinho Fofucho que latia e
latia porque já sacava novidades na área! Naquela tarde, constatei que ela
encontrava-se nos prodromos de trabalho de parto, tendo contrações sem ritmo
freqüente.


Aproveitei a oportunidade para
pedir sua autorização para atravessar a Baia de Todos os
Santos. Precisava descansar em minha casinha silenciosa do lado de
lá do stress dessa louca metrópole. Ela me liberou.




Na sexta-feira,
antes de viajar (a ilha dista de Salvador em 40 minutos de
lancha) eu lhe telefonei e perguntei sobre a noite... E ela respondeu: “mal
dormida como durante a última semana".



Chegando em casa, dormi durante toda a tarde. À noite fui caminhar no
Cais com uma amiga de Jequié que veio me visitar. Observando o movimento da água senti a
presença de Yemanjá e aí recordei automaticamente de Lili. Neste exato momento,
a Marilanda ligou do Rio para perguntar da evolução do caso e para contar que estava
voltando da visita à sua parturiente (Diana) vivenciando o mesmo processo de
contrações sem ritmo embora dolorosas. Liguei novamente para Lili,
consciente de minha pressão disfarçada de cuidado. Ela queixou-se de dores,
mais incômodas e freqüentes. As contrações estavam lhe alertando que aí vinha
coisa... Perguntei se achava melhor eu retornar para dormir em Salvador e
ela disse que não seria necessário, me manteria informada da evolução do
processo.



Ao despertar pela manhã, observei
que o torpedo no celular, era ela avisando: ‘’Estou em TP.. não dormi a noite’’. Ah! Que alivio, confesso que amei a noticia... Vamos que vamos! Liguei
para Julia, solicitando que ela fosse imediamente acompanhar nossa
parturiente de perto. Ai, então, pude retornar calmamente para Salvador..
viajei todo o percurso, observando o belo azul do mar e fazendo a conexão
com o amado Gurudeva. Pedi tranquilidade e clareza para acompanhar
este parto - não era como de outras mulheres... Lili era muito próxima e
eu me sentia muito envolvida emocionalmente neste processo.




Gugu, marido de Liliana,
gentilmente se ofereceu para me apanhar na lancha. Na vinda para casa passamos
na Feira de São Joaquim para tentar encontrar o BACIÃO que procurávamos há um
mês. Queríamos também comprar flores e ervas para Yemanjá. Encontrei Lili
tranquila embora em
franco TP
, os BCFs estavam rítmicos em 145 bat/min,
contrações rítmicas e fortes (40 segundos) com intervalo de 5/5 minutos.



Inicialmente, estranhei o padrão
das contrações, mas em seguida reconsiderei supondo que poderia
estar no período expulsivo. Quando cheguei não sugeri exame de toque porque
era preciso observar mais e assim o fizemos: observamos, organizamos
os detalhes do ambiente... arrumamos o nosso altar para o apoio espiritual
e preparamos um banho com ervas para Lili.. 2 horas após minha chegada, ela começava a expressar cansaço .




Enchemos a grande
(enorme) bacia que compramos na Feira, com as ervas aromáticas e ali começamos
o ritual de banhar o barrigão de Lili para promover um relaxamento do útero.
Depois de 35 minutos de banho de imersão, Lili pediu para sair da água, estava
muito cansada daquela posição. Pedia para se alongar, necessitava de movimentos...
Saiu da água, caminhou exaustivamente da sala para o
quarto e em seguida deitou-se recostada na sua cama e conseguiu relaxar por
20 minutos. As contrações deram uma pequena trégua. Mas depois disso o
útero retomou seu trabalho num ritmo acelerado. Sugerimos um exame de toque e
ai veio uma surpresa: o colo embora 50% apagado só apresentava dilatação
de 2 cm.
Conversamos com Julia sobre o caso e depois concluímos que
seria importante Lili retornar para o chuveiro para abrandar o
útero que apresentava um ritmo de trabalho avassalador. O intervalo
entre as contrações chegou a 3 minutos e nosso foco
agora era acompanhar regularmente os BCFs.




Passamos o período
da tarde nessa observação atenta: de longe para não assustar Lili que andava
sem parar e gemia um gemido muito dolorido e profundo de dar
dó: "tá doendo demais, tá demais"... Intuímos que
algo estava acontecendo sentimos que as contrações eram atípicas.


Comentei com Julia minhas impressões e ela
concordou que Liliana estava muito cansada.. Ao final da tarde, Júlia precisava
ir embora porque no dia seguinte ia prestar o concurso da Secretaria Municipal
de Saúde. Sugeri que ela saísse bem discretamente para não ativar o neocortex
de Lili, que se manteve mentalmente ativa durante todo o trabalho de parto.




Considerando minha
pouca experiência com parturientes de cesárea anterior, recordamos a
postura rígida da medicina tecnicista quanto ao risco de rotura uterina e
ai lá veio aquele medinho que sobe um friozinho no estômago.. Quando
o medo vinha, redobrava as orações rogando ao mestre uma conduta adequada e
fixava nosso olhar piedoso para Lili que corajosamente aceitava o desafio imposto
pela sua fisiologia que mais me indicava um padrão de anormalidade. Ao final da
tarde, sugerimos uma hipótese diagnóstica: Seria uma distócia funcional por
desproporção, meu Deus? Não. Não é correto fechar diagnóstico ainda... Vamos
observar mais um pouco...

Às 21 horas de
sábado, 20 horas após iniciado o TP nós fizemos um segundo toque porque
achamos necessário avaliar a evolução do caso... Lili continuava
com o mesmo quadro: colo apagado em 50% e a dilatação em 2 cm. Aí falei calmamente para ela: “O colo tá
bem fininho, a cabeçinha do bebê tá bem insinuada, mas a dilatação continua em 2 cm...” Esperei sua reação e
ela falou bem baixinho: ‘’quero esperar mais um tempinho”, e eu perguntei até meia-noite, pode ser? Ela sinalizou
que sim com a cabeça, mas sua capacidade física tava se esgotando. Eu vi
claramente seu estado de exaustão.


Às 3 horas fizemos
uma reavaliação e os BCFs se mantinham rítmicos, mas o exame de toque foi difícil
porque Lili não suportava nenhum estímulo, chegando a seu limite máximo de
tolerância das dores que as contrações distócicas estavam lhe causando. Ela atentamente observava minha reação
facial após o toque, mas quando lhe informei que o colo permanecia em dois
centímetros de dilatação ela decidiu. Sim, foi ela quem decidiu
juntamente com seu bebê: "Não dá mais, agora quero colocar meu bebê no
colo. Quero ir para a Maternidade”. Eu vibrei junto e repeti: "Ok Lili,
então vamos!” Ela precisava de apoio em sua decisão e aí eu falei olhando em
seus olhos: "Seu bebê também está muito cansado querida, o stress que as
contrações estão lhe causando está sendo revelado pelos seus
movimentos repetidos de flexão e extensão dos membros intra-útero”.



Na madrugada de
domingo Liliana desafiou e superou sua capacidade de tolerância a DOR, porque
seu organismo não estava produzindo endorfina, ela repetia várias vezes, "Tá
muito forte meu neném, tem algo errado... tá demais meu filho, vem logo, vem
bebê...”


Quando Lili decidiu
ir para Maternidade Sagrada Família, chamamos Gugu e Ulla que
estavam descansando da noite punk. Gugu devia estar cansado também. Afinal ele
teve um longo dia de muito trabalho e apoio ao núcleo familiar.
Neste momento, entretanto, ele prontamente levantou-se e
cumpriu responsavelmente seu papel de pai e companheiro dedicado que
demonstra ser. Ulla logo compreendeu a decisão de Lili e nos ajudou muito no apoio emocional...
Sua energia amorosa e serena favoreceu a harmonia do ambiente no momento tão
singular.


Chegamos à
Maternidade às 4 horas da manhã de
domingo e concluída toda burocracia da internação, Lili
foi transferida para o Centro Cirúrgico. Às 05h55min de 25 de setembro de 2011, nasceu de
parto cesariana por decisão compartilhada com sua própria
mãe, Gustavo Samir Silveira Silva. Nasceu em boas condições de vida, com
Apgar 8/10 e com um pesinho "bobo" de 3,900 kg para confirmar a
hipótese diagnóstica da parteira, distócia funcional por desproporção cefalo-pelvica.



No dia seguinte, ao ver Gustavo em
seu bercinho ao lado de sua mãe, um sentimento novo invadiu meu coração e
me fez reconhecer que a beleza do nascimento supera paradigmas. Um bebê
sempre anuncia a esperança de novos tempos.




A partir dessa
experiência, surgiram algumas indagações que acho importante registrar:



1-Não é humano sentir medo
em situações desta natureza? Nossa memória celular não carrega o medo do
parto há séculos?


2-Não é salutar tentar e colocar nossa
natureza à prova?

3-Não é salutar saber até onde podemos aguentar?



4-Não é prudente dar um basta quando nossa
intuição nos comunica dos limites entre o saudável e o radicalismo?



5-Não foi interessante Lili tentar superar
seu próprio limite?



6- Não foi bom deixar o bom senso prevalecer
quando resolvemos procurar um hospital para evitar que o bebê entrasse num
quadro de sofrimento agudo?



7-Não foi maravilhoso receber
Gustavo com saúde e pronto para sugar o peito quente de sua mãe corajosa?




Aqui rendo minhas
homenagens sinceras a você, LIli, que sensivelmente decidiu
enfrentar seu primeiro TP com determinação, coragem e bom senso.



E quanto
à minha responsabilidade na condição de enfermeira obstetra e
parteira, admito humildemente minha tensão neste processo de acompanhar um
trabalho de parto laborioso de uma companheira de trabalho e amiga querida. Estou
feliz pela nossa capacidade de admitir e aceitar o limite
entre a linha daquilo que idealizamos e sonhamos e do que
foi possível vivenciar. Valeu a nossa sincronia quando decidimos que
uma cesariana era a melhor indicação para resolver a incompatibilidade
feto-pélvica e salvaguardar o bem estar de seu bebê.


Parabéns para Lili
que aplicou na hora certa nossa lição preferida, a capacidade de
rever, reconsiderar e admitir que em nossa profissão, o BOM SENSO sempre
deve prevalecer. A vida é um dom sagrado, muito além de nossos desejos.









2 comentários:

  1. Incrível ler e te ouvir ao mesmo tempo!!!
    É como se vc estivesse falando comigo, de tão real!

    Muito bom enfatizar a Lili guerreira, e saudar Gustavo Mariano!!

    beijos e obrigada por ter me dado a oportunidade de participar deste momento inesquecível!!!

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  2. Sim, pequeno engano... Gustavo Artur!! Nosso enorme Gugu lindo!!

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