Manuela é
paranaense, bióloga que veio para Bahia há cinco anos para trabalhar no Projeto
Tamar. Ela conheceu um baiano – Adolfo e se apaixonaram a ponto de querer um
fruto desse amor.
Manuela veio
me procurar com IG de 34 semanas por indicação de Carla Miranda, sua doula. No
nosso primeiro encontro percebi que se tratava de uma mulher forte e
determinada e sabia exatamente os motivos que a faziam optar por um parto
domiciliar. Segura e decidida ela se comprometeu a retornar uma semana depois
com seu parceiro para oficializar o contrato de assistência ao parto domiciliar.
Quando retornou com Adolfo, observei e constatei que se tratava de um casal
plenamente grávido e feliz!
A condição
emocional da gestante, me tranquilizou porque sabemos que o parto é muito mais
tranquilo quando a gestante tem o apoio efetivo de seu parceiro. Durante o
período de acompanhamento pré-natal (junho, julho e agosto) fui percebendo que
Manuela era muito cuidadosa com sua alimentação – totalmente naturista e estava
em perfeito estado de saúde. A data provável do parto estava prevista para 13
de agosto; no calendário lunar ela completou 10 luas em 16 de agosto. Com tudo
já organizado em sua casa novinha em folha, comprada para celebrar este grande
momento da união amorosa. Ela falava com muita vibração sobre a compra da casa
nova em Arembepe – comunidade litoral a 40 km de Salvador. Quando fui conhecer
sua casa observei que a família, com a chegada de sua irmã Luiza, que veio para
colaborar no período do parto, estava muito feliz com a aproximação do parto de
Manuela e nascimento de Zaion .
Nesta mesma
semana também chegou a Salvador uma parteira amiga, Marilanda, que mora no Rio
de Janeiro onde atua na assistência ao parto domiciliar. Combinamos com a
gestante a realização de um ritual de dança do fogo, de origem indígena, que
promove uma transmutação de energia através de movimentos rítmicos em volta da
fogueira, para limpar a aura da mãe que vai receber o novo espirito na terra.
Aprendi este ritual no Equador onde participei juntamente com Suzana, amiga
xamã que trabalha nesta perspectiva.
Na noite
combinada para o ritual chegamos (eu, Carla e Marilanda) e encontramos Manuela,
Adolfo, Luiza e sua irmã Mariela que havia chegado um dia antes, para passar o
final de semana com eles. Um pouco mais tarde chegaram Chenia com sua filhinha
Zaia, que trouxe muita alegria e criatividade para aquele momento especial. A
fogueira já estava arrumada na varanda, o alimento do ritual havia sido
preparado saborosamente por Manuela e eu havia levado arroz doce para os orixás
convidados.
Manu foi
cuidadosamente maquiada por suas irmãs e Zaia cuidou de pintar o barrigão que
foi transformado em uma tela onde ela e as irmãs de Manuela pintaram uma imagem
bastante sugestiva (vide foto)! O ritual ocorreu em clima de muita magia unindo
família e amigos para celebrar a chegada de Zaion.
No dia 15 de agosto a Manuela retornou para uma consulta informando que por motivos familiares as suas irmãs tiveram que retornar a Minas Gerais. Neste encontro percebi um “certo grau de ansiedade” em Manuela que não foi expressado verbalmente. Mas seu comportamento estava diferente. Sua saúde física continuava ótima, mas emocionalmente existia alguma sombra. No dia seguinte Adolfo me confessou por telefone que ela estava irritada. Uma semana depois (dia 22) ela retornou para uma nova avaliação e ao final da consulta, questionou “por que será que não entro em TP” (Trabalho de Parto). Silenciamos por um curto período e ouvimos (eu e Marilanda) atentamente seus relatos e ao final da consulta ela trouxe uma preocupação de sua mãe, que por telefone havia lhe assustado com sua escolha de ter o parto domiciliar. Diante da verbalização do sentimento transferido por sua mãe, achamos muito importante abrir nossa observação da consulta anterior - ela havia mudado de comportamento nestas duas semanas que antecediam o parto. Foi muito interessante ouvir a opinião e impressões pessoais de Manuela a respeito de sua relação com sua mãe que permanece querendo exercer controle sobre as decisões da filha neste momento delicado! Saímos desta consulta confiantes nos resultados positivos da verbalização e elaboração dos sentimentos que Manuela estava vivenciando.
À medida que
as contrações aumentavam em duração e intensidade, Manuela demonstrava mais
determinação de dar continuidade ao processo, embora gemente, ela movimentava-se
livremente com o apoio de Carla que oferecia ajuda, mudanças de movimentos
usando a bola e dona de suas decisões. Com o trabalho de parto em franca evolução,
achamos que era chegada a hora de esquentar a água e colocar as ervas para
aromatização do ambiente. Nesta consciência de observar silenciosamente a
evolução do processo, também percebi o clima intimista que havia se instalado
naquele ambiente. Por volta das 10 horas, vi Carla e Marilanda começarem a
encher a piscina com baldes e caldeirões de água morna. Por volta das 11 horas,
Manuela começou a gemer alto durante as contrações. Às 11:30 fizemos o primeiro toque vaginal para
avaliação das condições do colo: apresentação encaixada no 2º plano de De Lee,
com colo fino e dilatado para 5 centímetros.
Em seguida ela entrou na piscina, ali permaneceu durante uma hora. Às 12:30 horas
contrações se tornaram muito dolorosas e Manuela começou a gritar muito alto.
Esses gritos chamaram atenção da vizinhança que vieram e gritaram no portão: “tão
precisando de ajuda ai?!”. Questionavam o motivo daqueles gritos. Adolfo foi
até o portão para tranquiliza-los e informando-os que sua esposa encontrava-se
em TP sendo acompanhada por duas parteiras e que a melhor maneira de receber
ajudar era se eles fizessem uma oração. Ouvir alguém perguntar lá fora para o
Adolfo, por que não leva ela para o Hospital?
A partir desta interferência externa, Manuela
que já estava bem focada no seu processo, ativou seu lado mental (neocórtex) e
mudou totalmente de comportamento. Agora ela estava mais atenta aos detalhes a
sua volta, seu instinto materno lhe ativou o neocortex e o processo foi
abruptamente alterado. A partir daí as contrações se espaçaram muito e ela
muito cansada, depois de horas de franco trabalho, demonstrou muita irritação.
Decididamente levantou-se de seu cantinho, aos pés da sua cama e retornou para
a piscina, colocada na sala. Entrou na água e ficou pensativa por alguns
momentos. Marilanda me chamou no quintal para uma conversa de avaliação das
alterações do processo. Chamamos Carla para participar de nossa conversa
reservada. E toda equipe chegou à mesma conclusão, a evolução do parto sofreu
uma interrupção. Precisávamos ajudar Manu retornar para seu processo. Pensamos
em aproximar Adolfo a Manu. Conversamos com ele reservadamente e sugerimos que
ele entrasse com ela na piscina. Fomos as três para a varanda e ali
permanecemos por um período de uma hora. Quando ouvimos os gemidos de Manuela,
recuperando o seu padrão de contração da fase ativa, aí, retornamos a sala.
Manuela havia retornado o processo com gemidos durante as contrações, agora bem
fortes, ela continuava na piscina chorando muito e expressando alto grau de
cansaço. Em clima de apoio e compaixão, Adolfo levantou-se e pegou o violão,
sentou-se em frente a Manuela e começou a tocar e cantar músicas que resgatavam
memórias afetivas do relacionamento, foi um momento muito especial desse
processo.
Por volta das 15 horas, ela sentiu necessidade
de se recolher em um cantinho mais reservado, indo para o banheiro. Lá
permaneceu de cócoras no chuveiro com Carla por uma hora. Esse período foi
decisivo para avançar o processo porque logo depois dela retornar a seu quarto,
avaliamos e constatamos que o colo estava com
7 cm, de consistência espástica. Os BCFs do bebê continuavam firmes “tumtumtum...”
Ela e Adolfo faziam questão de ouvir o coração de Zaion, atentamente. Isso foi
bem legal para mantê-los tranquilos e seguros com o bem estar de seu filho.
De novo o
ambiente estava acolhedor, sentada na sala por quase duas horas, estive bem
consciente para observar o clima que havia se instalado ali naquele espaço
sagrado. Quando Manuela retornou do banheiro às 16 horas, gritando muito e já
exausta. Marilanda sugeriu uma reavaliação das condições do colo foi quando ela
preferiu deitar-se em sua cama porque o cansaço e esgotamento eram aparentes.
Adolfo em atitude de companheirismo, não saía de perto dela e pedia
fervorosamente a Deus para aliviar as dores de sua mulher. Observamos calmamente Manuela procurando um
cantinho da casa para se acomodar, foi para o seu quarto e se agachou aos pés da
cama. Percebemos que havia chegado a hora de organizar o cantinho para o grande
momento, a chegada de Zaion, para que ela se sentisse segura o suficiente para
liberar sua cria. Calmamente fomos dando estrutura para o cantinho escolhido.
Neste espaço de tempo a dilatação estava completa, mas o período expulsivo,
embora com duração de apenas 1 hora (das 16 e 17 hrs), foi muito DOLOROSO para
Manu, porque ela havia chegado a exaustão de sua força motora e de sua
tolerância energética.
Ao final ela
verbalizava “Não tenho mais força”. E nos olhava com expressão de pedido de
ajuda, mas nós nos mantivemos sempre firmes no propósito de fazê-la acreditar
que ela podia continuar. Este período foi muito difícil para o pai porque sua
sensibilidade e amor por Manuela partia seu coração. Quando Zaion coroou ele
chorou muito e entrando em estado de graça não perdeu um detalhe do ritual de
nascimento de seu filho. Vivenciou intensamente todas as emoções que o rito lhe
proporcionou. Adolfo deixou seu coração aberto para permitir a fluidez desta
energia sagrada. Manuela teve alteração de consciência, mantendo-se firme o
suficiente para atravessar a ponte que permite conhecer as profundezas da alma.
Rasgando a garganta de tanto gritar, ela abriu seu corpo para dar passagem à
parte mais sagrada de si mesma, dando mais sentido ao amor.
Saindo de suas
entranhas, chega Zaion para os braços de sua mãe que lhe recebeu as 17:00 de 23
de agosto de 2012, ao por do sol do inverno de Arembepe, através de seus gritos
e do choro de seu pai que lhe recebe nos braços plenos de amor! Lindo, saudável, pesando 3.200 e medindo 47
cm. Com a testinha do pai, os olhos da mãe e o cabelo claro do avô materno
segundo constatação dos próprios pais, testemunho legítimo da continuidade de
nossos laços consanguíneos. Mais um parto, mais um nascimento de uma nova
família que escolheu experienciar os limites da
capacidade daqueles que acreditam que tudo é possível quando acreditamos em
nossas escolhas. O vínculo foi automaticamente construído à base de muita
ocitocina, endorfinas e lágrimas de felicidade.
Lágrimas nos olhos!
ResponderExcluirEmocionante...
ResponderExcluirDEMAIS!!!!
ResponderExcluirParabens a todos pela confiança, garra e por acreditarem que a natureza é SÁBIA, sempre!!!!!
LIndo!!!